segunda-feira, 6 de julho de 2015

O tal do instinto materno


Então o bebê nasce e vem para os seus braços tão miudinho e tão vulnerável e, de forma quase instantânea, surge a pergunta: o que faço com ele agora? Onde está o tal instinto materno para me ajudar?

Cada vez mais tenho a certeza de que essa história de instinto materno é uma grande bobagem. Nós mulheres não nascemos sabendo ser mãe. Muitas de nós, inclusive, nem desejam a maternidade. Pois é, esse papinho de que o relógio biológico vai tocar para toda mulher e convocá-la a ser mãe é também uma grande furada. A verdade é que quando nossos filhos nascem (e se nascem) nós não sabemos nada. Ainda que tenhamos lido muito, nos preparado, tido experiências com filhos de amigas ou com sobrinhos, a experiência de ter filhos é diferente.

Muitas mulheres se frustram ao ver seu filho pela primeira vez e não sentirem aquele amor avassalador. Eu mesma não senti. Senti que estava em transe, de certa forma eu tinha consciência da grandiosidade do acontecimento que era gestar e dar a luz a uma criança. Mas não era amor. Era um querer estar o tempo todo junto ao bebê lhe protegendo e saciando suas necessidades muito mais numa relação de cuidado do que de amor. O amor foi sendo então construído. À medida que ele é mais ele e menos eu, o amor cresce. À medida que ele vai conquistando autonomia e formando sua própria personalidade, a minha admiração vai crescendo por ver nele algo tão próximo a mim e ao mesmo tempo tão diferente.

Mas e o instinto materno? Talvez ele tenha algo a ver com essa necessidade inicial de proteger. Talvez tenha certa influência da nossa cultura judaico-cristã que manda honrar pai e mãe, afinal é deste mandamento que sai aquela estapafúrdia ideia de que pais acertam mesmo quando erram. "Honrar pai e mãe" é muitas vezes usado para expiar a culpa dos pais. Porque se mães fossem mesmo guiadas por um instinto materno não haveria erro de fato, não haveria traumas nem maus tratos.

No entanto, a despeito de não acreditar que exista um instinto materno, o que eu costumo dizer a “mães frescas” (ainda que eu também seja uma “recém-mãe”) sobre como guiar a maternagem é: se escute! Muito mais importante do que ouvir conselhos alheios é conseguir ouvir o que nós mesmas temos a nos dizer. Explico. A maternidade é uma convocação para olharmos a criança que fomos e os pais que tivemos. A maternidade é uma transformação. E como não fomos as mesmas crianças, nem tivemos os mesmos pais, ela é uma transformação que acontece de maneira diferente para cada um. E não estou dizendo que ela é uma experiência única! Ora, passar um mês no Tibet talvez seja transformador também! A maternidade não é algo único, mas é avassalador.

E por essa transformação ser diferente para cada pessoa na mesma medida que cada criança é um universo em si mesma, não há como existir receita para se criar filhos. Qualquer tipo de cartilha que tente ensinar pais como lidarem com essa experiência está fadada ao fracasso!

Acontece que conseguir se ouvir e deixar reviver a criança que se foi um dia pode ser muito doloroso. Não é à toa que grande parte das pessoas prefere ignorar esse chamado, tapar os ouvidos e abafar o grito que vem de dentro. Mas, muitas vezes, deixar de ouvir a criança que se foi um dia significa também deixar de olhar com olhos empáticos para o próprio filho. E por não acreditar em si mesma, toma-se como inquestionável as recomendações médicas, os conselhos de familiares, os pitacos dos amigos.

E acredito que por não existir o instinto materno é que mães podem ser suficientemente boas* mesmo quando não gestaram, mesmo quando não pariram, e até mesmo quando não são mulheres. O exercício de cuidar de uma criança, chamado de maternagem, convoca o cuidador para um olhar sobre si mesmo e essa introspecção é fundamental para um olhar empático para a criança, para que então se consiga comover pelos chamados que a criança faz ao adulto.


*O conceito de mãe suficientemente boa foi trazido pelo psicanalista Donald Winnicott. Em sua obra existe a ressalva de que este papel pode ser cumprido por outra pessoa que não a mãe biológica e muitas vezes utiliza o termo "cuidador". Contudo, é importante ressaltar que dentro do nosso contexto social, inclusive dentro do contexto brasileiro, o papel do cuidado é delegado quase que exclusivamente às mães. A Ligia Moreiras Sena, do blog Cientista que virou Mãe, aborda de forma muito contundente essa realidade, a qual pode ser vista, por exemplo, neste excelente texto.

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